Primeiro, estranhei a overdose do verbo “colocar”, um verdadeiro curinga da língua portuguesa nos dias atuais. Não se põem mais os pingos nos ii, não se tampam as panelas, não se veste a camisa nem se calça a sandália, não se acrescenta o azeite à salada, não se adiciona um telefone à agenda do celular nem se guarda o dito cujo na mochila. E muito menos se publica uma notícia no jornal nem se apresenta uma opinião, porque agora tudo se coloca. Experimente acompanhar uma receita na TV ou dicas de maquiagem, de decoração, assista a conversas sobre cinema, futebol ou literatura servo-croata e poderá confirmar: o verbo colocar está lá, onipresente nas 11 posições.
Depois, procurei nos noticiários de rádio e TV sinônimos para “complicado”. Em vão. A decisão polêmica, a situação delicada, o tráfego confuso, o problema difícil, a luta dramática dos moradores do município X a cada tempestade de verão, as trágicas consequências da omissão oficial em todos os setores... Nada disso, cara pálida. Por incrível que pareça, embora as situações sejam de importância e intensidade diferentes, liquidificaram todos esses adjetivos num só: agora, tudo é complicado...
Resolvi, então, tentar saber por onde anda a preposição “a” em certas construções, já que volta e meia alguém diz que “O resultado do exame está pronto daqui 3 dias - ou daqui 2 semanas ou daqui 1 hora” (A expressão usual não era “daqui a”?); ou “Comecei fazer as provas ao meio-dia” (antigamente não se dizia “Comecei a fazer”?); ou “O gerente já respondeu seu e-mail?” (Nossa, como sou antiga, no meu tempo a pergunta seria se o gerente já respondeu ao seu e-mail).
Enfim, não sei se penso “Ah, deixa pra lá”, isso acontece com línguas vivas, elas vão se modificando conforme o uso etc ou se continuo comentando sobre esse sequestro generalizado de palavras do nosso idioma, nem que seja para ver se ainda estou, mesmo, falando Português ou se inventei outro para meu uso particular. Mas natural ou não, tudo indica que o vocabulário vigente dos brasileiros anda bem escasso e a relação entre eles e sua Língua, bem complicada, oops, bem precária.
Tags: Ana Flores
Gostei muito do texto. Mostra como nossa língua está ficando cada vez mais pobre. Os belos e ricos sinônimos usados na crônica não são mais usados pela maioria dos falantes do Português, pelo menos no Brasil.