Porque em junho de 2004, numa madrugada fria e cheia de lua, eu voltava a Bauru pela Rondon, quando avistei algo atravessando a pista lentamente. Era muito grande para um cachorro e muito pequeno para um cavalo. Reduzi imediatamente a velocidade para evitar o acidente e ao mesmo tempo puxei a alavanca para dar luz baixa, o que ajuda a não deixar o animal confuso em sua travessia.
É óbvio que todo o episódio se desenrolou em instantes, coisa de vinte, trinta segundos. Mas é certo que ao passar bem atrás daquela coisa que havia atravessado a estrada, ao observá-la de relance, ao percebê-la agora parada com todo o corpo na direção oposta e apenas a cabeça virada para observar o carro (e talvez a mim!), ao sondar com receio e curiosidade sua fuça de boca semiaberta, tive a certeza (como tenho até hoje!) de que não se tratava de qualquer animal que eu tivesse visto ou imaginado ver um dia.
Eu tinha atravessado a ponte do rio Batalha e agora estava no início da subida em cujo topo hoje há o pedágio (que na época não existia). Viajava num Corsa mil. Da baixada ao topo o percurso deve ser de uns dois quilômetros. Todos sabem como um carro mil demora para pegar velocidade numa subida quando se encontra desacelerado. Foram os dois quilômetros mais perturbadores da minha vida.
A sensação era de que a coisa vinha no meu encalço. Foi a única vez até hoje em que senti um arrepio atingir até mesmo as sobrancelhas. Rodei o restante a 140 por hora. Se uma viatura policial tivesse tentado me parar, os jornais talvez trouxessem uma história de perseguição na Rondon. Porque eu não iria parar, não. De jeito nenhum.
(Em tempo: eu tenho vários CDs do Zé Ramalho e naquela época eu ouvia muito um que tem a música “Mistérios da meia-noite”. Ficaria bem encaixada no episódio, claro. Mas não vou encaixá-la aqui porque realmente não estava tocando e porque isto não se trata de ficção.)
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