Entre os amigos mais próximos, disseminei a seguinte impressão: a humanidade faliu. Não sei se alguém por aí já cunhou a frase antes ou a está cunhando agora. Em tempos de tantas ferramentas tecnológicas que fazem da comunicação um redemoinho de incontáveis ciscos, é arriscado defender qualquer frase ou ideia original. Tudo parece já ter sido dito ou pensado.
Mas, independentemente da originalidade da impressão, ela me vem à cabeça quando não me conformo com situações nas quais o homem expõe todo o seu fracasso.
Esse crime que envolve o goleiro Bruno, do Flamengo, por exemplo, é um desses casos. Sei que não é o primeiro crime absurdo (e nem será o último). Mas quando algo assim vem à tona, sempre penso que a humanidade faliu.
Nessas horas, nada me faz mudar de ideia quanto à falência do homem. Nem os amigos. As amigas. Nem a família. A mãe. Nem o provável Deus no qual acredito me consolaria. Claro que o provável Deus no qual acredito não teria tempo a perder comigo. Mas se tivesse e tentasse me convencer do contrário, eu olharia de cima a baixo para sua luminosidade ofuscante e diria na Sua cara: não, Senhor, Você está errado quanto a isso. E fosse o que Ele quisesse.
O diabo é que a vida nos desmente clamorosamente!
Essa briguinha ridícula com o provável Deus no qual acredito poderia virar motivo de chacota tão logo, após virar as costas de cara feia, eu, para esquecer, ligasse o televisor e sintonizasse o canal espanhol que nos é fornecido pela TV paga. Lá estaria um sujeito (não vi o nome porque peguei o assunto no meio do caminho) puxando um tigre pela coleira. Um tigre que ele salvou das garras de algum ser humano.
O tigre, na adolescência, esfrega-se carinhosamente no tal sujeito. O tal sujeito aperta-lhe a cara com se estivesse brincando com um bebezinho humano. E o tigre fecha os olhos de prazer.
E dali a pouco, lá está o tal sujeito outra vez. Agora com um filhote de leão no colo. Tratando do bicho, identificando-o para salvá-lo de algum ser humano.
E mais adiante, ei-lo a entabular uma divertida conversa com um chimpanzé. Os dois abraçados, como se fossem irmãos.
Mais tarde, a briguinha ridícula já arrefecida, em outro canal a reportagem mostra investigadores salvando pequenos tubarões presos dentro de sacos plásticos cheios de água. Os sacos plásticos já acondicionados em caixas fechadas para serem transportadas num avião para algum lugar que eu não sei, mas com um só objetivo: lucrar com o tráfico de animais.
Nessas horas, esses homens e mulheres que compreendem a fragilidade dos animais me fazem, ao menos por alguns instantes, mudar de ideia quanto à falência do homem.
Hoje, outra vez em viagem como todas as semanas, parei para almoçar num lugar na beira-estrada. Uma mulher levava na coleira uma cachorra dachshund, aquela que parece uma salsicha, como a minha. Ela estava gordinha. Acho que grávida. Ao ver um pequeno semelhante no mesmo lugar, ela fez o maior banzé. Latiu, sacudiu-se, pateou... No fim, sob as reprimendas da dona, sossegou.
Ali, naquela hora, senti saudades da minha cachorrinha e de seu olhar profundo e sincero.
Nesses tempos em que humanos matam humanos e dão seus pedaços para os cachorros, os cachorros nos olham e já parecem seres superiores. Os animais já parecem ter piedade de nós.
Piada (?)
No banheiro do posto da beira-estrada, ouvi a piada (?). “Cara, você viu que um filme pornô da amante do Bruno está fazendo o maior sucesso? Pois é, deve ter um monte de gente por aí batendo punheta pra ela, mas quem comeu mesmo foi o cachorro”.
Ouvi a piada (?) enquanto usava o banheiro. Na hora, o jato da urina, involuntariamente, interrompeu-se. Foi como um rápido corte, desses que rolam quando você expele uma pedra do rim (quem já teve sabe do que estou falando).
Não sei, é estranho pensar nisso. É estranho pensar numa piada (?) assim. É estranho pensar que alguém pode fazer uma piada assim. É estranho pensar numa frieza tal. Mas é estranho pensar que uma piada de uma frieza tal pode surgir num mundo em que um crime é cometido com uma frieza tal?
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