De minutos em minutos, uma folha seca flutuava sem pressa. Uma delas se enroscou no seu cabelo. Deixa, ficou como enfeite. Havia um pouco de poeira se erguendo do chão de terra bem à nossa frente. O tronco e as raízes expostas soltavam fiapos de cascas ressequidas. A paisagem diante dos nossos olhos, atravessando as pastagens do outro lado da rodovia e perdendo-se no horizonte, cintilava ao mormaço. O carro quebrado, à sombra rala da mesma árvore onde nos sentamos, acentuava a sensação de indolência. Tudo, tudo estava tão seco! E nós dois, úmidos.
O filho distante
Às vezes, vinha-lhe à cabeça a hipótese assustadora de que ao ficar velho, inútil e, quem sabe, paralítico, não haveria um filho para barbeá-lo. Ou agora mesmo, um pai que se preocupasse com seu paradeiro.
No fim
Dona Zozó não tinha paciência para novelas na televisão. Queria que as coisas se desenrolassem logo! Por isso, preferia não assistir e pronto. Mas ficava puta da vida se não avisassem que hoje seria o último capítulo. Não resistia àquela tentação de ver tudo dar certo para poder chorar com alegria.
Aquele velho
Perto das árvores grandes. Trezentos metros antes da fronteira do poente. Samsung, diziam. Não a multinacional de tecnologia da informação. Talvez Samsung uma variação de sem sunga, semsunga, semsung, samsung no sotaque deles. Samsung vivia nu. E tinha as gengivas tão ruins que passou a vida inteira sem sorrir. Até que, já debilitado, abandonado, sem mais ninguém, entregou-se a um prazer desconhecido quatro segundos antes de morrer: sorriu com a boca escancarada até sentir o vento varrer-lhe a timidez. Até hoje, perto das árvores grandes, o sol se põe feliz. Por respeito ao velho.
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