No sétimo dia, um segundo antes de descansar, Deus olhou em redor e de repente entre o silêncio rompeu-se o som de um ínfimo decibel, nada mais, embora suficiente para ter sido ouvido por todos os confins de um mundo ainda inconsciente. Deus, naquele momento, havia tomado a forma de um minúsculo inseto e, como se tirasse a poeira das asas, zumbia seguidamente.
De cima do galho mais alto da última árvore nascida sobre a terra, um pensamento ecoou:
– Está tudo lindo, mas espere aí…
Deus então sacudiu-se dentro do corpo do inseto e numa fração de segundo, se houvesse a possibilidade de alguém observar a cena, um macaco pendurava-se na grande árvore pelo rabo. Balançava-se e ria de si mesmo.
- Minhas melhores ideias foram concebidas nessa posição...
E sem mais perder tempo, encarapitou-se de volta ao galho. Confortavelmente sentado, admirou novamente sua obra-prima.
- Está tudo lindo, lindo mesmo, mas que monotonia insuportável!
Virando-se para o chão, acordou o anjo-tabelião, que roncava encostado ao tronco com as escrituras primeiras sobre as pernas, abraçando-as como se pudessem roubá-las!
- Venha cá, folgado.
O anjo-tabelião trazia uma expressão de cansaço, esfregava os olhos.
Pensou a ele Deus:
- Vamos reabrir o processo!
O anjo-tabelião deu um salto para trás, assustado e confuso.
- Mas, mas...
Havia já encerrado o livro feito de folhas, muito parecidas com a vegetação seca das videiras.
- Já, já...
Deus o encarou detidamente.
- Já, já... até fiz as borboletinhas no fim...
Impaciente com a hesitação do anjo-tabelião, Deus esticou os braços peludos e arcados e tomou dele o livro.
- Tsc, tsc, tsc, você e suas manias... Mas não há problema, é só incluirmos uma emenda depois das borboletinhas.
O anjo-tabelião mal conseguia dizer palavra:
- Vai estragar...
A imagem de uma lágrima pairou sob suas olheiras.
- É para sempre, lembra?
Deus suspirou longamente e, antecipando-se a um futuro apelo humano, resignou-se.
- Bem, feito está...
E de imediato, sobressaltado, o anjo desabou de novo à terra. Havia agora diante de si um corpulento dragão de cujas ventas desprendia-se algo semelhante a um vapor. E que logo se tornou uma única e imensa labareda que cobriu todos os ares do mundo, sem no entanto causar um dano sequer à recente criação.
Pensou Deus, satisfeito e ansioso:
- Para isto não será preciso registro. Não se escreve. Não se explica. Só se sabe que está aqui, no ar, de onde não será possível escapar um só ser vivo.
Extasiado com a formação do grande fogo do amor que deixou a atmosfera impregnada para sempre, o anjo-tabelião voltou os olhos ao alto galho e de lá, sem aviso, um excepcional carcará arremeteu-se pelos ares num voo eterno e poético de dimensões inconcebíveis.
E a partir daí, contrariando os próprios escritos divinos firmados antes das borboletinhas desenhadas pelo anjo-tabelião, não, não houve, não, nenhum descanso.
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