As novas tecnologias e o mundo lá fora (baseado em coisas que vi hoje nas ruas)

“Um dia as pessoas vão achar tudo isso
tão chato que dirão: nossa,
como eu pude viver assim?”
João Pedro Feza, jornalista meu amigo,
referindo-se ao uso exagerado de celulares

São 13h32. Saí do restaurante onde almoço quase todos os dias e vou em direção ao café onde tomo café quase todos os dias. Atravesso o primeiro cruzamento e no meio da quadra a garota de talvez 15 anos tropeça e por pouco não vai de boca ao chão. Movido pelo reflexo, faço um movimento em sua direção, mas ela já está caminhando como antes... de olho no visor do celular.

Imediatamente me lembro de ter visto pela manhã uma notícia sobre a queda de uma turista em Melbourne. Ela estava no píer e se distraiu enquanto checava sua conta no facebook. Caiu na água e por sorte foi resgatada vinte minutos mais tarde... com seu smartphone bem seguro na mão, segundo informou a polícia.

Tanto a turista na Austrália quanto a menina em Bauru passam bem.

Mas as duas situações convergem para a mesma simbologia sobre o mundo atual. As pessoas estão sendo sugadas para um perigoso ralo virtual. Aliás, estão se deixando sugar. Não, não se trata de cair de boca na calçada ou gelar a bunda nas águas do mar. O problema é a fratura cada vez mais exposta entre o ser humano moderno e a realidade que o envolve, mesmo que ele não a perceba, mas assim mesmo o envolve.

Bom, mas eu estava indo para o café. Sento à mesa cujo raio de visão passa obrigatoriamente por um casal, acho que ambos na casa dos vinte e poucos anos. Peço o expresso, espero a garçonete trazer a bebida, mastigo o docinho (quando não tem, fico puta da vida), boto o açúcar (um saquinho só), mexo com a colherinha (bastante), tomo a gasosa gelada do copinho e começo a saborear o café.

Cinco minutos depois está terminado. Durante quanto tempo fiquei ali? Dez minutos talvez. E nem um pio na mesa do casalzinho. Ambos, cada qual no seu, vidrados nos celulares.

Não, não sou contra. Também faço isso. Só acho que falta equilíbrio, dosagem. Porque na sequência vou até a lotérica. À minha frente, o rapaz é chamado pela moça do caixa duas vezes. Claro, está afundado no celular, hipnotizado, distante.

Saio à rua novamente. Quatro ou cinco funcionários de um supermercado descansam sentados à sombra, na calçada. Silêncio de vozes. Todos sugados. Atravesso a rua. Dois trabalhadores de uma desentupidora sentam-se encostados ao tronco de uma árvore. Sugados. O menino que vem à minha frente, as pessoas nos carros, nas lojas, nas casas...

Estamos perdendo um mundo de coisas lá fora. Coisas que podem ser bobas, é verdade, mas as estamos perdendo.

O estreito caminho de vegetação numa calçada urbana que faz você se sentir numa trilha rural.

A grua que se ergue aos céus para mostrar a engenhosidade do homem.

O sujeito cansado que estacionou seu carro sob uns enormes pinheiros e agora dorme enquanto o rádio toca uma moda de viola.

As flores amarelas que desenham sobre nossas cabeças uma neve cremosa de verão.

A pichação na parede do prédio vazio que nos mete na fuça a dura realidade da nossa pobre política.

O pai que, depois da briga feia, cerca o filho no meio da rua, ambos descontrolados, e diz a ele calma, calma, eu te amo, eu te amo.

A latinha de Coca jogada no jardinzinho e o lixo abandonado nas sarjetas que escancaram a falta de consciência ambiental, nossa frouxa cidadania.

A mulher velha e corpulenta que sacoleja cheia de pacotes numa mão e a sombrinha na outra, uma típica paisagem brasileira.

O carinho do vento na cara sob o sol abrasante deste quase-verão.

Estamos perdendo coisas lá fora.

Estamos perdendo os sorrisos e as lágrimas, as folhas e as flores, o sol e as nuvens.

Estamos perdendo o céu.

Espero que meu amigo tenha razão. Espero que logo voltemos a ver.

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