Viajo regularmente a trabalho. Pelas rodovias, as figuras de homens que andam sem rumo colam-se à paisagem. Às vezes, surge também a silhueta feminina. Sob farrapos, lá vão eles, de barba crescida, pés quase sempre descalços, sacos nas costas. Para onde vão? A direção não importa. Só lhes resta isto: seguir em frente (viram como “seguir em frente” nem sempre significa algo bom?).
Num passado recente, as mães costumavam botar ordem na algazarra da molecada com ameaças que traziam como protagonista o velho e mau “homem do saco”. Quem já não ouviu essa expressão? No meu tempo de criança, na fazenda, minha mãe e minhas tias nos botavam medo, a mim e aos outros, por conta do “matuleiro” – nem sei se o termo existe na língua portuguesa, mas sua origem estaria na palavra “matula” (farnel).
Ficávamos esperando, entre curiosos e amedrontados, o tal matuleiro, que na realidade seria um andarilho de estradas, mas ele raramente aparecia. Hoje, no auge da exclusão social, as mães precisam inventar outros adjetivos para pôr fim à folia de seus pestinhas. Os matuleiros estão aí para quem quiser ver, em número cada vez maior. E agora, diferentemente de outras épocas, talvez sejam eles os assustados. Assustados com a miséria. Assustados com nosso descaso.