O graal e meus cachorros

Blog graal e meus cachorros

Eu tenho medo de que me falte o principal: o tempo.

É aquela sensação amarga da incerteza. Porque o depois é algo absolutamente imprevisível. Sua face é inalcançável, sempre. Então, sobra a esse respeito apenas um vazio incômodo. O abismo assustador entre Indiana Jones e o graal. Convenhamos, todos devemos sonhar com nosso graal, independentemente do quilate de seu metal ou da nobreza de sua madeira. Ele precisa estar lá, mesmo distante e protegido pelo grande vácuo, mesmo sendo às vezes quase inacessível, ele precisa estar lá, pois inevitavelmente sempre vamos para lá.

No fundo, todos somos como o protagonista do "Deserto dos tártaros" (de Dino Buzzati), bem ou mal todos vivemos em busca do confronto com nosso destino, apesar de estarmos eternamente ameaçados por todas as peças que ele pode nos pregar. O destino é uma coisa curiosa. Porque quando o afagamos, nunca sabemos se realmente se trata dele mesmo, do destino. Sua silhueta fantasmagórica insípida inodora nos confunde. De todo modo, assim mesmo nós o buscamos com o rabo enfiado entre as pernas. É que uma mulher ou um homem sem um projeto não vive. Apenas se entrega. Não é. Apenas está.

Por isso, quando penso no meu destino, quero meter o bedelho em sua definição, do "d" ao "o". Não quero fugir dessa responsabilidade. Quero pensar que posso. Meu desejo é uma ordem. Para mim mesmo, claro. Daí, o tal medo. Porque sei que minha luta é capaz de influenciar meu destino, mas também tenho consciência de minha completa impotência para intervir na linha do tempo. Daí, a origem do tal medo.

Depois de uma noite em que os prazeres foram se deitar comigo numa cama onde corpos amanheceram fedendo a suor e a sêmen, estou ali sentado numa pedra de frente para o mato levemente molhado que cheira a ardume e memória, os focinhos gelados dos meus três cachorros se revezam para me dar bom dia, ergo a caneca de alumínio acima da cabeça para que a festa deles não derrame meu café, deixo escapar um longo suspiro, em seguida bocejo e peido ruidosamente enquanto ergo um pouco a bunda do lado esquerdo para dar passagem aos gases que se projetam rumo a um espaço tão imenso de liberdade que nada pode atrapalhar o próximo gole fumegante, ahhhhh, não tenho nada para fazer hoje, só ficar me lembrando de como foi boa a noite, nisso olho para a casinha com a porta ainda entreaberta, só tenho que ficar me lembrando de como poderá ser bom o dia, acho que nem vou planejar meu amanhã, acaricio Pancho Villa Clint, um de cada vez para ser justo e não despertar ciúmes logo cedo, penso outra vez: acho que nem vou planejar meu amanhã, e nisso meu coração dá um salto, não sei se de felicidade, apreensão, nostalgia, amargura, receio ou o quer que seja, brutalmente essa bomba incansável me lembra aqui dentro do meu destino, de que foi para isto que vivi, agora curiosamente já volta aquele medo do início, é que um outro vazio começa a se criar entre mim e um novo graal cuja sombra vai surgindo lá adiante em meio aos arbustos e ao pio dos passarinhos, sei que não posso fazer nada quanto ao tempo, mas é para lá que eu vou, a única coisa que pode dar errado é não encontrá-lo a tempo, o novo graal, mas caso assim seja já não estarei aqui para lamentar.

É desse jeito, amigos, que mato, um a um, todos os medos que me aparecem pela frente.

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