Fernando BH
Se jogar uma Copa do Mundo é o grande sonho de muitos meninos que crescem chutando uma bola, a vontade de participar dela não é menor para os jornalistas que amam o esporte – entre eles, os atletas frustrados. As Olimpíadas, então, que englobam vários esportes, são outra oportunidade fantástica de ver de perto algo que encanta o planeta inteiro pela tevê e de interagir com o evento ali, ao vivo. O jornalista Ubiratan Brasil, que hoje escreve no Caderno 2 do jornal “O Estado de S. Paulo”, mas tem quinze anos de experiência nas redações de esporte, e o jornalista e locutor Milton Leite (foto), da ESPN Brasil – também famoso por emprestar a sua voz à versão brasileira dos famosos jogos de videogame da série “Fifa” –, tiveram essa oportunidade e relataram um pouco do que viveram. Ubiratan foi às Copas de 94, nos Estados Unidos, e 98, na França, e às Olimpíadas de 96, em Atlanta.. Milton viajou a Sidney, em 2000, além de também ter ido à França. Entre tantas histórias, não poderia faltar o caso da convulsão de Ronaldo, já exaustivamente discutido na mídia, mas aqui contado pelo ângulo de quem cobriu o fato, não o dos protagonistas.
Pergunta: Depois de fazer uma grande cobertura, como Olimpíada ou Copa do Mundo, além da experiência, da bagagem que se adquire, abrem-se novas portas, vocês ficam mais visados no mercado?
Milton Leite: Você se valoriza, claro. É uma experiência inigualável. Você cresce em uma Olimpíada o que não cresce em quatro anos de trabalho.
Ubiratan Brasil: Suponhamos que vai haver um campeonato mundial de um determinado esporte. Se você está num outro país, não basta conhecer esse esporte. É uma outra cidade, outra língua, você está sozinho. Se já cobriu uma Olimpíada, fica mais fácil. Em Atlanta, por exemplo, fui o primeiro da minha equipe a ir para lá. Cheguei dez dias antes, não conhecia nada e tinha que descobrir todos os caminhos, de como encontrar as pessoas certas até me credenciar. Então, já se pega uma bagagem aí. E é muito mais fácil pegar para uma outra competição do mesmo nível uma pessoa que já fez isso do que uma que não saberá o que fazer.
Milton Leite: Há várias coisas, numa cobertura, que só se aprende fazendo. O que pode, o que não pode, a relação com o Brasil para enviar matérias... Enfim, pega-se uma experiência que quando se vai pela segunda vez, já não é mistério. Isso valoriza, claro.
Pergunta: Diante de tantas coisas que acontecem em um grande evento, como se deve organizar e selecionar o que cobrir, principalmente numa Olimpíada?
Milton Leite: Você vai lá para cobrir personagens, não para dar resultados, que hoje estão disponíveis na internet. Não precisa se preocupar com as informações de vitórias, recordes, resultados de doping que saem a todo momento e, de uma forma ou de outra, você vai ficar sabendo. O que faz a diferença é a sua presença no evento, a sua pergunta que só você vai fazer. Tem que ter criatividade para descobrir um ângulo diferente para a matéria, ser curioso, descobrir os personagens.
Ubiratan Brasil: Numa Olimpíada, o ideal é descobrir outras coisas, algum detalhe que o faça se sobressair do restante. Não basta ter as informações, os resultados e fazer o trivial. É preciso caçar histórias. Em Atlanta, descobri que um americano que competia no caiaque era a grande sensação porque, seis meses antes da Olimpíada, havia sido atingido por um raio e quase morreu. Ele teve que fazer uma super preparação e ganhou uma medalha. Mesmo sendo um atleta que ninguém conhecia no Brasil, que disputava um esporte sem expressão aqui, era uma história que interessava.
Pergunta: É fácil entrar em contato com os atletas e identificar esses personagens?
Ubiratan Brasil: Não, a vila olímpica é como uma caixa forte, a preocupação com a segurança é muito grande e será maior em Atenas.
Milton Leite: A vila olímpica é só de atletas.
Ubiratan Brasil: Tinha que pedir e marcar um dia e hora para a segurança. O máximo onde se conseguia chegar era num espaço restrito próximo ao refeitório, no dia em que ganhava esse passe. Se desse sorte de encontrar alguém e esse atleta me atender, ótimo... Mas depois do atentado a bomba em 96, ficou mais difícil.
Milton Leite: Era mais fácil marcar com o atleta para ele ir ao centro de imprensa e dar a entrevista.
Pergunta: E como é se deparar com atletas de ponta, transmitir competições que envolvem o país? Dá para segurar o lado fã, o lado torcedor?
Milton Leite: A minha relação de amor com o esporte termina quando entro para transmitir. Quando estou ali, quero que se dane se o meu time está ganhando ou perdendo, quero eu ganhar, fazer bem o meu trabalho. Na final da Copa de 98, eu estava muito mais empolgado com o fato de estar transmitindo aquele jogo do que com a possibilidade de o Brasil ganhar ou não.
Pergunta: Qual momento cada um de vocês destaca como marcante em suas vidas durante uma cobertura?
Ubiratan Brasil: Gostei de cobrir a história da bomba na Olimpíada de 96. Não tinha nada a ver com esporte e nos pegou desprevenidos. Numa sexta-feira à noite, éramos poucas pessoas no centro de imprensa, pois, por causa do fuso horário, a maioria dos jornalistas não estava lá, e quando acabávamos de sair, ouvimos a explosão. De repente, você achando que seu dia tinha acabado e estava apenas começando... Eu havia planejado uma folga no sábado para passear por Atlanta e logo às oito da manhã estava na coletiva do FBI. Foi legal acompanhar isso. Uma coisa que surgiu do nada e não tínhamos a menor idéia do que se tratava.
Milton Leite: Era um sonho desde criança participar de uma Copa, aquela era a minha Copa e me preparei muito para ela. Dificilmente haverá outra chance tão fantástica, primeiro por ter sido na França, um país espetacular. Fiquei 45 dias lá e transmiti todos os jogos do Brasil do estádio. Fiz a partida de abertura, pelo fato de o Brasil ser então o atual campeão, e também a final, isto é, participei dos melhores momentos e ainda viajei para Marselha, Nantes, viajei de trem-bala...
Pergunta: Como foi aquela tarde da derrota para a França, com toda a confusão em torno do Ronaldo?
Milton Leite: Faltando três horas para o jogo, eu já estava lá. Na Copa do Mundo, os técnicos são obrigados a dar a escalação uma hora antes do jogo, porque eles sabem que é importante a mídia estar com essas informações – não é como aqui no Brasil, que o técnico acha que ganha o jogo escondendo a escalação. Uma hora antes, então, passaram a relação e estava o Edmundo, não o Ronaldo. Estávamos eu e o Tostão e ligamos para o André Kfouri, nosso repórter, perguntado ‘Cadê o Ronaldo?’. Foi uma correria... Havia tenda dentro da concentração do Brasil, repórteres, links ao vivo, helicóptero e mesmo assim não viram que o Ronaldo não estava com a Seleção na saída para o estádio. Faltando meia hora, chegou um xerox manuscrito, em inglês, assinado por um médico, dizendo que o Ronaldo tinha um problema de tornozelo, se não me engano, e que havia ido para o hospital. Só vinte minutos antes é que veio a informação de que ele iria jogar. Aí veio a discussão se poderia ou não jogar. Saiu a notícia de que o Ricardo Teixeira teve que descer da tribuna e pressionar o pessoal da Fifa para deixarem escalá-lo. Tanto que, naquele jogo, o Brasil nem fez aquecimento no gramado.
Pergunta: O Ronaldo chegou no vestiário em cima da hora pedindo para jogar e o Zagalo, diante do pedido, aceitou...
Milton Leite: Ficaram com medo de ele não jogar e o Brasil perder a final.
Pergunta: Será que houve pressão do patrocinador da Seleção?
Milton Leite: Não acredito que fariam isso. O Ronaldo é um produto muito bom para a Nike arriscar e ele ter um troço dentro do campo. Ia pegar mal.
Pergunta: Depois da final, como foi se revelando a verdade do que havia ocorrido?
Milton Leite: Depois do jogo, fomos para o centro de imprensa. O Juca Kfouri estava chegando para fazer o Cartão Verde, da TV Cultura. Ele disse ‘Acabei de falar com o Dunga’ – que era a fonte dele na época – ‘Ele não quer abrir de jeito nenhum, mas houve um problema com o Ronaldo na concentração’. Até que vazou a história da convulsão. O Tostão, que é médico, me falou: ‘Se ele teve essa convulsão, colocá-lo para jogar foi um crime, porque ele poderia ter morrido dentro do campo’. A descarga que se tem em uma convulsão é tão gigantesca, é tanta adrenalina, que é como se ele tivesse acabado de correr uma maratona e entrado em campo para jogar futebol. A história começou a vazar na noite de domingo e estourou na segunda-feira.
Ubiratan Brasil: Na segunda, estávamos os repórteres plantados na porta do hotel, a um quilômetro da entrada, debaixo de chuva, esperando alguém falar alguma coisa. Aí, apareceram o médico Lídio Toledo e o Ronaldo. Alguém tinha que contar uma história, dar uma justificativa. Lembro-me que o primeiro a abrir o bico foi o Roberto Carlos.
Milton Leite: Ninguém guarda segredo num grupo tão grande.
(Terminada a entrevista, conversando com o jornalista Ubiratan Brasil, ele me contou como é importante a figura da fonte, daquela pessoa que passa ao jornalista uma informação sigilosa. Durante as Eliminatórias para a Copa de 94, por exemplo, um jogador da Seleção confidenciou a ele e outros dois repórters que o grupo estava rachado. Alguns questionavam a postura do técnico Parreira, outros defendiam, gerando as famosas “panelinhas”. Vazada a história, a assessoria de imprensa da Seleção ficou atônita, perguntando-se quem teria delatado o problema. Como fonte deve ser preservada, nem eu conto agora...)
Entrevista coletiva cedida ao grupo de alunos do curso “Linguagem e revolução no jornalismo esportivo”, do Senac. São Paulo, 20 de março de 2004.