Dou aula de jornalismo para cinco turmas, na Unesp-Bauru e no IMES-FAFICA, em Catanduva. São cento e poucos estudantes de primeiro, terceiro e quarto anos. Naturalmente, há intensas diferenças entre eles: faixa-etária, estágio de graduação, origem geográfica, origem social, ideologias políticas, formação cultural e por aí afora. Mas há algo curioso que os reúne em torno de uma quase unanimidade: desde já, antes mesmo de pisarem no desejado e temido mercado de trabalho, eles acreditam religiosamente que serão parte de um sistema em que o jornalista dificilmente escapa das manobras do poder: o poder econômico, o poder político, o poder localizado de quem controla o veículo de comunicação. Será que eles têm razão?
Recentemente, em meio a uma aula expositiva sobre técnicas redacionais para o primeiro ano, universo em que geralmente mal se sabe ainda escrever um texto jornalístico, um dos alunos perguntou-me o seguinte: “mas aí não entra também o interesse do veículo?”. Está certo que para o aprendizado do jornalismo é necessário um elevado grau de consciência a respeito do meio, mas essa preocupação não seria precoce? Pergunto ainda: aos estudantes em estágios mais avançados do curso, que vivem de certa forma resignados diante da possibilidade de se tornarem reféns de uma ditadura do mercado, não seria necessário acreditar que há maneiras de sobreviver, com ética e profissionalismo, às mazelas da profissão?
Outro dia, recebi um e-mail do amigo e colega Denilson Mônaco que trazia uma mensagem sugestiva, algo assim: “ele não sabia que era impossível, por isso foi lá e fez”. Será que de tanto imaginar e dar por certa a opressão profissional, o estudante não colabora para sua concretização? Claro, não sou ingênuo. Escusos ou legítimos, eleitorais ou ideológicos, econômicos ou pessoais, os interesses dos veículos de comunicação, mesmo que sejam apenas para garantir sua sobrevivência no mercado, existem. Mas não se pode admitir esse fato como entrave a uma atuação jornalística que procure sustentação no papel social para o qual foi inventado o jornalismo. Estou certo? Não sei. Talvez me chamem de romântico por isso. Se assim o for, adianto já: isto mesmo é o que sou!
Tenho vinte e poucos anos de estrada. Enfrentei e ainda enfrento percalços inerentes ao meio. Já sofri ameaças físicas e de morte, algo comum para os jornalistas. Entretanto, confesso, os episódios que mais me marcaram foram os que envolveram minha relação com alguns veículos por onde passei. Certa vez, depois de uma discussão áspera, um político pediu minha cabeça à direção da empresa. Não me demitiram, mas também não me apoiaram. Resultado: caí fora por conta própria. Em outra ocasião, questionaram a qualidade de meu trabalho porque, na função de chefia, não atendi a um interesse específico de um dos proprietários do veículo. Pois bem: até logo, senhores. Também me lembro de algo engraçado: a Editora Abril, no começo dos anos 1990, não queria grafar Márcio ABC nas matérias assinadas por mim. Queria especificar meu sobrenome. Escuta aqui, Editora Abril, meu nome de guerra é esse! Ou é assim ou não é de jeito nenhum! Tive também ótimos ambientes de trabalho, incluindo a relação, que sempre é delicada, com a direção dessas empresas. Muitos foram os embates, alguns com resultados positivos, outros não. Enfim, é a vida, não é mesmo?
Perceber em boa parte dos estudantes de jornalismo uma aparente resignação me causa preocupação. Serão eles os responsáveis pelas informações que nos chegarão daqui a pouco. Quero imaginar que dentro das redações, onde eventualmente ocorra o que vamos chamar de ditadura de interesses, possa sempre haver profissionais compenetrados em combatê-la. Quero imaginar que, em meio à pobreza ética que atualmente fere nossa sociedade, incluindo nossa própria profissão, haja jornalistas capazes de sacar a arma mais poderosa que um homem já pôde sonhar: sua moral, que nada mais é do que a própria ética, tão escassa, como eu já disse. Esse quesito, mesmo como atributo único, é capaz de compor nosso mais rico patrimônio. E dele não devemos nos esquivar jamais. Mas, caros estudantes e colegas, só podemos usar essa arma se nela acreditarmos. Vocês concordam?