Durante dois anos e meio, a professora Raquel Discini de Campos, do Departamento de História do IMES-FAFICA (Instituto Municipal de Ensino Superior de Catanduva), vasculhou arquivos de jornais de São José do Rio Preto publicados na década de 1920. Conviveu com jornalistas, cronistas e escritores da época. Respirou muito veneno para cupim, como ela própria salienta. Mas valeu a pena. O resultado desse trabalho chega às bancas nas 197 páginas do livro A “princesa do sertão” na modernidade republicana: urbanidade e educação na Rio Preto dos anos 1920 (Editora Annablume – SP). É através dessa obra, surgida de sua dissertação de mestrado, que Raquel se debruça sobre a análise da propagação da educação através da imprensa no início do século passado em Rio Preto. Uma obra para os inquietos, assegura a autora, que fez o lançamento no último dia 4 de junho, na Swift/Universidade Livre das Artes (avenida Duque de Caxias, s/n), em São José do Rio Preto.
Segue entrevista com a autora:
O que a levou a pesquisar esse assunto?
A disponibilidade das fontes aqui em Rio Preto, a riqueza da Hemeroteca Dario de Jezus, que conserva um acervo belíssimo com os jornais do início do século, e a paixão pela temática educacional.
Você construiu um panorama da cultura letrada daquela época. Como você analisa as principais diferenças fazendo uma comparação com os dias de hoje?
É totalmente diferente...Naquela época havia um projeto para a cidade, para o Estado de São Paulo e para a nação. Os jornais refletiam esse projeto, essa articulação de idéias. Foi um momento riquíssimo em que parte das elites brasileiras acreditaram que realmente poderiam transformar o país.
Como você analisa o papel da imprensa como difusora de educação? Você acha que há essa preocupação hoje? Havia naquela época?
Na época, a temática educacional era uma verdadeira obsessão para os jornalistas. Era por meio da educação que eles acreditavam poder transformar a nação. Obviamente, os jornalistas tinham um discurso elitista, acreditavam ser a "vista da nação", os “cérebros iluminados”, como dizia Rui Barbosa, personagem sempre citado pelos jornalistas de Rio Preto. Atualmente, também fala-se muito em educação, mas me parece que a educação é debatida na mídia paulista, e mesmo por muitos educadores, muito mais como uma mercadoria - sobram idéias do tipo "é preciso educar-se para competir melhor no mercado de trabalho" e coisas do tipo - do que como uma maneira de melhorar o gênero humano. Uma pena!
No livro, você comenta a respeito de uma imprensa (do início do século passado) monopolizada pelos homens. Que tipo de abordagem você faz a esse respeito em sua pesquisa?
Inegavelmente monopolizada pelos homens. Eram eles que detinham o privilégio da escrita! Mas existiam algumas mulheres escrevendo aqui em Rio Preto. Mlle Cinema, por exemplo, escrevia sobre o cotidiano da cidade de Rio Preto, e, nas cidades maiores, as mulheres começavam a ocupar, ainda timidamente, o posto de jornalistas. Mas a questão do gênero não foi uma preocupação minha.
Você também trata das aspirações daquela época quanto à modernização do país e da própria cidade. Dá para traçar um paralelo com base no desejo da sociedade atual, que sempre está em busca de modernização?
Os paradigmas são outros...Naquela época entendia-se a modernização do país como uma espécie de higienização dos costumes, da raça e da moral. Na verdade, o discurso dos jornalistas era bastante influenciado pelo discurso dos médicos, fortíssimo no início do século XX. Tínhamos como parâmetro o ideal de civilização européia, muito diferente da brasileira. Acredito que hoje a questão da modernização do país, muito mais do que estar ligada a questões de desenvolvimento tecnológico - sem dúvida importantes - passa principalmente pela diminuição da desigualdade social brasileira, problemática que não estava posta para os jornalistas da “princesa do sertão”.
Em relação à questão educacional, é possível dizer se os privilégios quanto ao acesso da população são hoje mais restritos do que no início do século passado? Ou naquele tempo havia mais exclusão?
Naquele tempo, significativa parcela da população brasileira era analfabeta. Portanto, o acesso era infinitamente mais restrito do que hoje. É inegável que estatisticamente houve um imenso avanço na área educacional. Atualmente, a criança freqüentar a escola é natural, diferentemente da década de 1920, quando os jornalistas tinham que lutar para que a população em idade escolar fosse para os grupos citadinos e escolas rurais. Resta saber se o que é ensinado para milhares de crianças que freqüentam regularmente as escolas do país também melhorou...
Para quem você indica seu livro?
Curiosos e inquietos em geral, principalmente professores, historiadores, pedagogos e jornalistas.
Você gostou da experiência de autora? Pretende lançar novos livros nessa linha de pesquisa?
O trabalho foi duro, suado, complicado...Você imagina o que é ficar dois anos e meio lendo dez anos de jornal dos anos de 1920? Sozinha, respirando veneno de cupim? Mas você não pode imaginar a serenidade e a alegria que sentia ao lado dos meus companheiros cronistas da década de 1920... A minha atual pesquisa de doutorado, que desenvolvo na Unesp de Araraquara, mapeia uma boa parte dos discursos educacionais veiculados na imprensa paulista, e não somente na Rio Preto dos anos de 1920...Estou começando tudo de novo!