A negligência ou o simples descuido com certas doenças pode transformá-las em terríveis epidemias. O mundo inteiro sabe disso e em épocas distintas testemunhou as trágicas conseqüências dessa realidade. Neste início de 2005, um dos males que se alastra perigosamente tem seu foco contagioso fincado no meio político.
Sim, é verdade! Não se trata de trocadilho ou de comparação exótica fabricada para introduzir a qualquer tipo de análise. Muitos prefeitos e mesmo membros de primeiro escalão das novas administrações municipais, cuja posse ocorreu no último dia 1º, foram infectados pela atitude de algum colega que num passado não muito recente decidiu jogar em seus predecessores toda e qualquer culpa pelas dificuldades enfrentadas para tocar sua gestão.
Está certo que a doença não é nova. Por isso mesmo é que adotei o termo “epidemia”. Parece-me que, diante das péssimas notícias obtidas a respeito da atual situação das contas públicas, dos maquinários e demais itens estruturais da administração municipal, um bom número de novos prefeitos resolveu isentar-se de responsabilidades perante a opinião pública. Volta e meia, ouve-se um secretário dizer que não é possível solucionar de uma hora para outra um problema que vem crescendo há muito tempo, como, por exemplo, o deplorável estado da malha viária de quase todas as cidades.
Da mesma maneira, há uma série de outras questões que infernizam o cotidiano das populações urbanas e cuja solução mostra-se a cada dia mais distante. Entra prefeito, sai prefeito e os discursos seguem o mesmo ritmo: “não é possível resolver tudo agora”; “encontramos a máquina emperrada”; “as dívidas impedem grandes investimentos"; "é preciso ter paciência"; e por aí vai.
Claramente, os prefeitos e seus companheiros de administração têm certa razão ao buscarem no passado explicações para tantos problemas. Se cada um tivesse feito sua parte no decorrer do mandato, a situação seria outra. Não é possível olharmos para trás e isentarmos as administrações anteriores. A grande maioria delas simplesmente passou o abacaxi para frente.
No entanto, acho difícil encontrar entre os atuais administradores alguém que tenha sido ingênuo a ponto de acreditar que encontraria uma situação diferente na prefeitura que viria a assumir. Geralmente, os candidatos e seus partidos obtêm todos os tipos de dados a respeito das gestões cessantes. Essas informações são, inclusive, utilizadas em campanha, quase sempre para desancar os adversários ligados ao prefeito em exercício.
Ninguém, portanto, pode posar de marido traído nessa história. Os prefeitos sabiam exatamente com quem iam "se casar" em 1º de janeiro. Lógico que a sociedade deve e tem o direito de tomar conhecimento dos possíveis desmandos administrativos cometidos por políticos anteriores aos atuais, mas as besteiras eventualmente praticadas pelas administrações passadas não devem servir como moeda para negociar popularidade ou para justificar a incompetência das atuais gestões na resolução dos problemas mais graves de cada município.
O discurso vazio adotado por políticos como atalho para desviarem de inevitáveis responsabilidades não pode ser aceito pela sociedade. Essa epidemia ameaça dizimar as estruturas cada vez mais frágeis dos municípios. Como dizia o velho e sempre atual Raul Seixas, não importa o sotaque, e sim o jeito de fazer. Quem não sabe fazer, que tivesse ficado em casa.