Ele não sabia contar dois mais dois, sabia contar histórias. Não aprendeu a ler e escrever, mas juntava uma platéia concentrada a seu redor. Não entendia por que os pais não lhe davam certos brinquedos e, depois, por que a vida lhe negava tantas coisas, embora contasse brilhantemente tudo isso nas histórias que inventava, recheadas de drama, peripécias e finais felizes. Não pôde nunca dirigir um carro nem casar e ter seus filhos, nem trabalhar, na coisa mais simples que fosse, mas sabia contar histórias, como poucos, e muitos o ouviram e se aventuraram com a sua imaginação. Era o que ele sabia fazer. Mas um dia ele morreu e ninguém se lembrou de escrever isso em sua lápide. Depois as pessoas, visitando o cemitério, passavam por seu túmulo e comentavam: E este, quem era? O filho da dona fulana e do seu cicrano. Quem? Aquele que morava na casa amarela da rua tal, lembra? Ah, sim, o retardado.
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