Amigo invisível na infância todos têm. É comum no mundo dos pequenos. Mas conforme o tempo avança, e infelizmente toma contato com o mundo adulto, o infante esquece aquele amiguinho que um dia lhe fez companhia. Eu também passei por isso, é claro. Só que nos últimos anos, no adentrar da idade, reatei amizade com aquele ser que me acompanhou na meninice. Em outras palavras mais simples, sem bordar o texto: dei para falar sozinho.
Um dos lugares favoritos em que desando a prosear com meu coleguinha invisível é no carro, onde ele está sempre no banco ao lado. Já aconteceu de se sentar atrás, mas eu ralhei. "Oh meu, vem pra frente. Não sou motorista de táxi nem quero pegar torcicolo."
Certa feita, conversava alegremente com ele sem perceber que estava numa avenida superhipermegamovimentada e com a janela do carro escancarada, por causa do calor. Parei no farol e continuei o papo animado, a respeito do livro que estava lendo no momento, o 1808, do jornalista Laurentino Gomes, sobre a Família Real no Brasil. Muito legal. Receito a todos. Para o pessimista exacerbado, cá vai um consolo: Já fomos piores.
Com o farol fechado, um senhor do carro ao lado olhou-me surpreso, como se perguntasse "com quem este idiota tanto conversa?".
Fiquei envergonhado, pois o idiota era eu. Acho que exagerei no bate-papo e me senti ridículo. Notei então que precisava me policiar mais. Fechei a cara, como homem sério, fiz de conta de que não era comigo e prometi a mim mesmo não mais falar sozinho, para não passar vergonha outra vez.
Abriu o farol e propositalmente demorei um pouco para sair, de modo a deixar aquele motorista bem a frente de mim. Tanto que no próximo farol só eu parei. Ele continuou em frente. Ainda bem, porque o papo com meu amigo invisível estava ótimo e sem aquele chato para atrapalhar.
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