Não sei por quê, mas a palavra que mais tenho ouvido no noticiário diário do rádio – sou ouvinte assídua desse meio de comunicação – é o adjetivo “complicado”. Seja por pobreza de vocabulário dos repórteres, seja por sua compreensível tensão diante de uma situação trágica por cuja cobertura são responsáveis, ou simplesmente pela comodidade de lançarem mão de certos coringas da Língua, como, aliás, também vem acontecendo com o verbo “colocar”. Mas dele tratamos adiante.
Voltemos ao “complicado”. Será que uma obra inacabada na Rua Tal, atrapalhando o fluxo de veículos às 11h da manhã de um dia de semana pode ser qualificada da mesma maneira que a explosão de uma fábrica clandestina de fogos de artifício que provocou dezenas de mortes e muitos feridos? A fila nos postos de saúde ou o engarrafamento de 6 km na Ponte Rio-Niterói são tão “complicados” quanto a situação das pessoas que perderam tudo durante um temporal? O alto índice de acidentes e mortes causados por motoristas alcoolizados pode ser descrito com o mesmo adjetivo de uma greve, por mais justa que esta seja? Pois no noticiário de rádio parece que tudo se nivelou semanticamente.
Não é uma questão de preciosismo. A Língua Portuguesa é riquíssima e vem sendo empobrecida pela preguiça dos usuários de escolherem a palavra adequada a cada situação, tarefa fundamental do profissional que lida com textos. Simplesmente elegem uma e a usam pro que der e vier, e a moda vai se espalhando. Não se ouve mais a informação de que o tráfego está intenso na Rua Tal, ou que estamos acompanhando a situação dramática dos moradores do Morro X ou que se repetem todos os anos as trágicas consequências do soterramento de pessoas e casas durante um temporal. Tudo passou a ser complicado...
Que tal, então, relatar sobre a perspectiva aterrorizante, a solicitação dramática, o tráfego confuso, a situação delicada, a decisão polêmica, a resposta inadequada etc? E por que não, também, descrever a situação complicada? Afinal, essa palavra tem e sempre terá seu lugar na nossa Língua, só não precisava era trabalhar hora extra, como anda fazendo ultimamente.
Exatamente como o que vem acontecendo com seu companheiro de Língua, o verbo “colocar”. Ninguém mais veste a camisa ou calça o sapato; raramente se tampa a panela ou se põem os pingos nos iis e a mão na massa, e nunca mais se adicionou o azeite na receita ou se guardou o livro na estante. Agora, tudo se coloca. Até a opinião do colega é “colocada” na assembleia.
Tudo indica que o vocabulário dos brasileiros anda bastante complicado... oops, anda bastante escasso. Uma pena!
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