Dia desses me veio à cabeça o antigo joguinho Escravos de Jó, em que as peças são passadas de parceiro em parceiro, ritmada e automaticamente, enquanto todos cantarolam a música que acompanha a brincadeira. E assim, as mesmas peças acabam voltando às mesmas mãos, num rodízio interminável. Lembrei-me dele diante da ciranda de mensagens e anexos que diariamente chegam às caixas de correio depois de navegarem pela rede. Lá pelas tantas, as mensagens acabam voltando à origem e o círculo se fecha.
E nessas idas e vindas, um fenômeno sempre me chama a atenção: os textos anexados, supostamente assinados por autores conhecidos, mas que claramente não têm nada das características desses autores. Quando comento isso com a pessoa que me encaminhou o falso texto dizendo que não se parece em nada com o autor verdadeiro, recebo quase sempre a mesma resposta “Eu também achei, mas já recebi assim e passei adiante.” Parei de comentar.
Me assusta a facilidade com que se passam adiante informações, fofocas, escândalos e denúncias sem a menor crítica. Simplesmente porque a mensagem chegou a uma caixa de correio, tem que ser passada adiante, exatamente como as pecinhas dos Escravos de Jó: automaticamente. E tome de textos de “Veríssimo”, “Martha Medeiros”, “Jabor” e até de “Drummond”, navegando de caixa em caixa, sem contar que textos originais volta e meia vêm assinados por outros. O mais recente que recebi constava como sendo de uma conhecida estilista, que oferecia dicas de boas maneiras em relacionamentos amorosos, mas que fariam a profissional se descabelar ao ver o que está circulando em seu nome. E o mais grave é que mesmo os que sabem ou desconfiam que o texto não é autêntico, continuam passando-o adiante, por pura automação.
Além da leviandade implícita nessa compulsão de reenvio de textos apócrifos, existe um componente de crueldade em certos casos. O episódio recente de uma cantora que se atrapalhou ao cantar o Hino Nacional brasileiro ou a trágica morte do padre que tentou voar, suspenso por balões de ar foram exaustivamente explorados e ironizados durante muito tempo na rede, entre outros episódios de gozação com a desgraça alheia.
Os paparazzi virtuais têm plantão permanente, esperando o momento exato para dar o bote e divulgar a calcinha da modelo, o beijo do casal vip, o vexame não sei de quem e para brincar com textos alheios. E para isso contam com a parceria entusiasta dos Escravos de Jó cibernéticos.
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