Para cada passeio deslumbrante pelo bondinho do Pão de Açúcar, uma bala perdida ao pé do Pão. Para cada visita ao Cristo Redentor com direito a uma panorâmica do Rio de tirar o fôlego, um assassinato bem ali, seja a vítima brasileira ou estrangeira, não faz a menor diferença para quem aperta o gatilho. Para cada poesia que a Lagoa Rodrigo de Freitas inspira com seu espelho, o choque de saber que a tranqüilidade dos passantes não existe mais, com uma tragédia à espreita em cada curva.
A alegria de ver uma partida de futebol no Maracanã já não é suficiente para esconder o medo do torcedor, que nunca sabe se volta inteiro do estádio nem se vale mesmo a pena ver um jogo ao vivo. Porque nesse programa não existe só o medo de assalto ou de ser morto: no mesmo pacote vem o receio dos torcedores que confundem vitória e derrota com vida ou morte. O time deles perdeu? Os outros que se cuidem, porque aí vêm bala, soco, provocações e brigas violentas na rua e nas conduções de volta para casa. Azar de quem viu seu time ganhar, porque os adversários levam essa vitória como provocação e não como desfecho natural de qualquer esporte, quando uns ganham e outros perdem. Aqui e em alguns outros países igualmente idiotas e selvagens nesse setor, a derrota de um time é a senha para o grito de guerra de seus torcedores.
Atravessar os túneis da cidade, passear na orla, andar pelas calçadas de qualquer bairro do Rio, parar no sinal vermelho, comprar pipoca ou ver uma vitrine deixaram de ser atos simples do cotidiano na cidade. Não sei sobre outras cidades no Brasil, embora o noticiário ateste que o perigo já chegou a muitas outras, inclusive as menores e não mais tão pacatas; mas no Rio faz tempo que essas simples cenas do dia-a-dia se transformaram em oportunidades para o assaltante ou a quadrilha da vez cismar com você, achá-lo com cara de otário ou com pinta de próxima vítima. Até nas barbas de guaritas de policiais ou em frente a delegacias.
Sei que estou chovendo no molhado, 90% dos habitantes do Rio já viveram experiências de violência e muitos nem tiveram chance de contar o que se passou. Mas quando vai chegando o fim do ano, parece que nos viciamos em cultivar um resto de esperança por dias melhores, como se a passagem de um ano para outro tivesse o poder de modificar alguma coisa. A minha esperança está com o diâmetro de um fio de cabelo, falta pouco para se partir. Mas o Rio – pra não dizer o mundo todo - merece dias bem melhores dos que esses que tem vivido.
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