Você abre um suplemento literário e lê resenhas sobre livros que estão sendo lançados, obras reeditadas, anúncio de feiras literárias, e se pergunta se uma vida inteira é suficiente para lermos tudo o que queremos. Aí você olha para a mesa de cabeceira e vê empilhados os três livros que está lendo simultaneamente e mais alguns que quer reler e outros que não pode deixar de ler antes de morrer. E agora? Onde encaixo os autores russos que ainda não li? E os Guimarães Rosa ali, olhando para mim, me prometendo desafios homéricos, Clarices idem, Saramagos adiados, os angolanos na lista, os clássicos que comi mosca quando troquei por outros? Ufa! Um amigo chegou a fazer contas na ponta do lápis para calcular quantas horas por ano ele precisaria para ler tudo o que deseja e se apavorou com o resultado. Desistiu de fazer as contas... e ele só tem 34 anos!
Em lojas de CD, o desespero é igual. Entro para comprar o presente sugerido pelo presenteado e não consigo sair sem antes fuçar os compartimentos das minhas querências musicais. E lá estão em casa mais um Chico, mais uma Diana Krull, mais chorinho, Jorge Benjor quando ainda era Jorge Bem, a eterna Billie Holiday, Dave Brubeck, Zeca Baleiro, Adriana Calcanhoto, mais Beatles, a harmônica maravilhosa de Mauricio Einhorn, as canções de Henri Salvador. Algumas novidades, outros já familiares. Uma vez, num sábado pela manhã, ouvindo no rádio do carro uma entrevista na Rádio MEC, fiquei sabendo que os músicos entrevistados estavam lançando Beatles em ritmo de choro. Resistir quem há-de? Desviei meu caminho só para conseguir um CD. E como ouço!
Nem vou falar de filmes. Quantos a gente perde no cinema e se promete ver em DVD? Às vezes dá tempo, você aluga três ou quatro de uma vez, mas parece que a fila não anda. E curte uns mais que outros, e quer rever. Quantas vezes, mesmo, já vi Casablanca, o primeiro Poderoso Chefão, Hair, alguns argentinos, alguns brasileiros e europeus? Não importa. O importante é não esquecer de pegar na locadora a reserva daquele antigo do Almodóvar.
Não tem jeito. Para ganhar tempo, a solução é parar de falar sobre isso e pôr mãos à obra. E olhos e ouvidos. Continuo a viagem pela Amazônia na história de Milton Hatoun enquanto ouço Ray Charles. Mas que dupla insólita! Pode ser, mas nem por isso deixa de ser um néctar para a alma. E deixo de lado os vídeos que eu jurei que não passavam do fim de semana.
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