Sobram casais hétero e homossexuais querendo adotar crianças. Sobram crianças abandonadas ou recolhidas em orfanatos à espera de pais que as adotem e cuidem delas num verdadeiro lar. Os casais continuam sem filhos e as crianças continuam sem pais. Um dia algumas delas já foram bebês, mas cresceram e passaram da idade mais procurada, engrossando a fila dos menores sem casa e sem a atenção especial que os candidatos a pais adotivos poderiam lhes dar.
A queixa comum é o excesso de burocracia para se chegar às crianças, que lucrariam muito mais se fossem adotadas depois de uma investigação cuidadosa, sim, de quem são seus futuros pais, mas sem o ramerrão que só entrava os canais entre as partes. Poderia ser mais fácil, mas quantos burocratas perderiam o emprego se não houvesse tantas exigências, tantos carimbos, tantas cópias xerox autenticadas disso ou daquilo? Por fim, ganham os pais que esgotam sua paciência de esperar e, antes de também perderem a energia necessária para criar filhos, pagam pela adoção de crianças nascidas em outros estados. Também a esses caminhos tortuosos levam o excesso de burocracia e a má vontade.
Uma outra situação bastante comum. O cidadão se aposenta dentro do prazo e tem a pouca sorte de ver seus papéis caírem em exigência, às vezes por uma bobagem que poderia ser resolvida por correio, telefone ou e-mail. Mas quantos funcionários cujos serviços seriam considerados irrelevantes teriam que ser dispensados se as coisas fossem assim tão simples? Já houve caso de um pedido de aposentadoria ter demorado mais de dois anos para ser liberado e, ao término desse período, por insistência do próprio requerente, constatou-se que sua pasta de documentos havia caído atrás de um arquivo de aço e lá ficara sem que ninguém desse pela falta. Nem mesmo a equipe de limpeza percebeu...
Mas também tem aquele com mais sorte, cujos papéis estão em ordem, não caíram atrás do arquivo, o cachorro não estraçalhou nem as traças comeram. Aleluia! Saiu a aposentadoria! E o FGTS? Iiiihh, danou-se! Mas não é direito do cidadão, por ocasião de sua aposentadoria, a retirada do fundo de garantia acumulado durante décadas de recolhimento? É direito, sim, meu senhor, mas não é uma operação automática. É necessária uma nova maratona, com novos documentos, novas exigências, novas cópias e assinaturas, num festival de informações divergentes em cada agência bancária autorizada para informar sobre o assunto e visitada várias vezes pelo incauto para esse fim. E olha lá mais alguns meses para o cidadão conseguir tomar posse de seu “direito”.
Parece que em certas repartições públicas e agências bancárias oficiais ainda vale a velha pergunta “Se podemos dificultar, para que facilitar?” Deve ser um horror viver em países cujos administradores fazem questão de não tentar simplificar o dia-a-dia dos seus cidadãos em quase todas as instâncias. Mas quantos funcionários, carimbos e cópias desnecessários teriam que ser dispensados se não existisse a indústria da burocracia?
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