Desde que, à caça da criatura, Bartolomeu Vigota puxou o gatilho e fez o sangue correr, fala-se do estranho caso da Fazenda das Vinte Léguas. Contratado para tomar conta do lugar, ele mudara-se para lá havia pouco tempo quando começou a sentir-se incomodado. Não sabia o motivo, mas algo soava-lhe sinistro na sombra escura daquela árvore tão próxima da casa onde morava. (mais…)
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O caso da árvore sombria
quinta-feira, junho 30th, 2011Primeiros socorros
quarta-feira, julho 28th, 2010No dedo um falso brilhante
Brincos iguais ao colar
E a ponta de um torturante
Bandaid no calcanhar...
(Trecho da música “Dois pra lá, dois pra cá”, de João Bosco e Aldir Blanc)
- Bom, você pode não acreditar, filho... Aliás, às vezes nem eu mesmo acredito...
Dizendo isso, o velho farmacêutico debruçou-se sobre a escrivaninha onde decifrava, com seus grossos óculos, uma terrível receita médica. Mas o neto, um poeta adolescente cujas energias ameaçavam explodir-lhe as têmporas diante de uma história romântica, não lhe dava sossego. Na verdade, não o desacreditava. Queria, isto sim, animá-lo a contar-lhe aquele episódio que até hoje é lembrado pelos mais antigos daquela rua de comércio movimentado, muito tranquila num passado ainda perto. (mais…)
Na delegacia de polícia
segunda-feira, julho 26th, 2010
Sei lá, doutor, a hora que eu entrei no quarto e vi aquele homão naquela posição foi tão engraçado, mas tão engraçado, que eu não consegui segurar. Imagine o senhor: uma pessoa chega pra trabalhar todo dia e todo dia ele não está lá, ele já foi pro serviço dele não sei onde. Todo dia ele já saiu, o senhor me compreende?
A gente faz as mesmas coisas um santo dia atrás do outro, do mesmo jeitinho, porque pra que fazer de outro modo, o senhor não acha? Eu chego, pego minha chave na portaria do prédio e subo. Nunca pergunto se ele já saiu. Porque ele sempre já saiu, nunca nunca que ele está em casa. (mais…)
Arquiteto da loucura
quarta-feira, julho 21st, 2010Por aí, em meio ao desatino dessas ruas caóticas, chamam-me louco. Às vezes, sentado na sarjeta ou deitado em becos, entre latas de lixo que me abrigam do frio, pego-me a pensar: será que sou mesmo louco? Seria possível à mente humana engendrar uma farsa tão perfeita? Pode haver uma circunstância mais terrível que esta e ainda assim firmar-se como inverdade? Riem-se de minha angústia os poucos dispostos a ouvir-me. Pedem-me para contar-lhes de novo minha história, depois abandonam-me sozinho à mercê do desespero sempre pronto a exigir-me refém de seu cárcere. Em meu caminho, não se podem mais contar as ocasiões em que estive perto de pôr um fim a isso tudo. Entretanto, não tive coragem no começo, e agora já acostumei-me ao confronto. Aprendi a esperar que a turbulência violenta de meus nervos se vá e deixe-me uma vez mais com o fiapo de esperança ao qual me apego para sustentar-me à vida. Sou um desgraçado, fie-se nisto quem vier a ler-me um dia. Ser humano algum deveria merecer destino semelhante, mas aqui estou, certo de minha sina e ao mesmo tempo aterrorizado diante dela. Peço-lhe: leia-me e diga-me se estou louco. (mais…)
Leia texto do escritor argentino Fernando Sorrentino
sexta-feira, julho 16th, 2010UM LIVRO ESCLARECEDOR
Ludwig Boitus: Stelzvögel, Gotinga, 1972
Fernando Sorrentino
No conciso prólogo dessa obra, o professor Franz Klamm nos informa que o Dr. Ludwig Boitus viajou de Gotinga a Huayllén-Naquén com o exclusivo propósito de estudar in loco o poder de atração simbiótica dessas aves pernaltas popularmente conhecidas como calegüinas, denominação quase unanimemente aceita na bibliografia especializada em espanhol. (mais…)
Primeira lição de amor
sexta-feira, junho 18th, 2010Li o poema.
– Que bonito – a menina disse.
– Fiz pra ti.
– Duvido.
Está certa: escrevi para minha esposa, há quinze anos. (mais…)
A moça do violino
quarta-feira, junho 16th, 2010Com a publicação do conto que você lerá a seguir, meu objetivo é prestar minha singela homenagem a quem poderia ter sido um grande escritor.
Conto escrito em agosto de 1994 por
Álvaro Villas Bôas
Quem me contou este fato - na verdade uma historiazinha banal, engraçada e, ao mesmo tempo, muito triste - foi um amigo sem diploma, sm estudo, sem grandes leituras. Possuía, entretanto, um extraordinário senso de detalhe e bastante capacidade para reconstituir situações e descrever pessoas. Assim, quando lhe perguntei como era, exatamente, a "moça do violino", o meu amigo, um "Machado de Assis" não lapidado, em potencial, apresentou-me um retrato de corpo inteiro, convincente, perfeito, de modo que, passados tantos anos, eu ainda a "vejo", embora jamais tenha me encontrado com ela. (mais…)
Três dúvidas
domingo, junho 6th, 2010Leonardo Brasiliense, escritor gaúcho que já venceu o Prêmio Jabuti, acaba de publicar “Três dúvidas” (Companhia das Letras, 176 páginas).
Li o livro numa única estocada. E com o coração na mão. Porque, além da profundidade da proposta filosófica (bem explicada na orelha inclusive), há ali uma tensão permanente, um fio esticado que está sempre nos ameaçando com um possível rompimento. (mais…)
O forte
domingo, maio 9th, 2010Joaquim era tropeiro. Atravessava o estado levando os bois, viagens de um mês, ou mais, tomando cachaça com os companheiros de lida, cozinhando em fogo de chão, dormindo embaixo de carroça, inverno, garoa, chuva, barro, frio. Naquele baile de campanha arranjou uma namorada, apaixonou-se, noivou e teve que providenciar um emprego mais estável e seguro. (mais…)
Que alívio
segunda-feira, abril 19th, 2010No início, era estranho. Ele nasceu diferente dos outros.
Na cidade, veio a rejeição, vieram os beliscões, era maltratado, todos riam dele.
Depois foi expulso. Passou dias difíceis, de muita solidão.
Finalmente, ao descobrir que era na verdade um lindo cisne, o Patinho Feio sorriu: para ele, nada neste mundo podia ser mais ridículo do que um pato. (mais…)