Archive for the ‘Contos’ Category

Boletim de ocorrência

quinta-feira, agosto 16th, 2007

1

Com certa dificuldade, ela se virou para o meu lado e me pregou um olhar de fome, mas não era o olhar lascivo, não era a fome de sempre. Era outra fome… Eu poderia começar assim. Ou dizendo que o focinho frio da vaca resvalando em minha bunda nua me fez aumentar o ritmo do sexo. E que por conta desse contato inesperado e inusitado, também mordi involuntariamente o pescoço de Júlia... Também seria adequado no início confessar que as histórias que se passam no mar e em seus arredores compõem meu repertório favorito. “O velho e o mar”, “Moby Dick”, “No coração do mar” e “A carta esférica” estão entre meus livros preferidos... (mais…)

A casa triste

sábado, julho 14th, 2007

Naquela casa triste da minha rua morou um dos mais sublimes amores de que se tem notícia. Fosse em outros tempos e atrevo-me a dizer que talvez servisse de matéria-prima para escritos de Shakespeare esta lancinante história que, por falta de quem a transforme num belo romance, será contada por mim mesmo. (mais…)

O homem sem nome

sábado, junho 23rd, 2007

Capítulo 1

UMA CARTA

Ao acaso, encontrou-me o escritor naquele dia, há pouco mais de seis meses, envolvido num desses episódios que, a despeito da admiração de quem quase nunca os presencia, constituem-se, nas grandes cidades, em ocorrências tão comuns quanto chocantes. Entretanto, acho que não devo interferir nessa parte. Talvez o senhor possa, se assim desejar, contá-la com mais detalhes, pois acompanhei apenas o desfecho. Mas veja como a vida é curiosa, às vezes nos levando a crer, por meio de caprichos, que em seus meandros há muito mais do que possamos enxergar a princípio. Quando o senhor me propôs escrever o tal diário, forneceu-me um alento cujo benefício, acredite, não se pode mensurar. E, por essa oportunidade, sou-lhe grato. Antes de passar ao que deve de fato mais lhe interessar, creio se tratar de algo conveniente ratificar as informações que forneci a meu respeito, se é que o senhor ainda as guarda na memória. (mais…)

Notícias para distrair

quinta-feira, junho 7th, 2007

O entregador de jornais que visita diariamente os portões das residências dos senhores Sepúlveda, à direita, e Magno, à esquerda da casa abandonada da rua Santa Luzia, é um sujeito curioso. Ao atirar o jornal quintal adentro, desfere dois tapinhas rápidos numa das pernas entre uma entrega e outra, e, à medida que ouve cada ruído causado pela queda do papel, emenda um desajeitado sinal da cruz. Ele é curioso por essas excentricidades, mas também, e principalmente, pelo fato de considerar que todas as notícias são para distrair. Em vez de perguntar se o leitor de sua região já leu o jornal hoje, ele prefere saber da distração. Então, Seu Sepúlveda, já se distraiu? E o senhor, Seu Magno, gostou da distração? Pois bem, esse rapaz ainda bastante jovem, como quase todos os jornaleiros, passou outro dia por maus bocados. (mais…)

Onda morta (novela de 32 capítulos)

terça-feira, maio 15th, 2007

Capítulo 1

– Meu Deus! Você tem idéia do que pode ter sido?
– Não sei… Não sei… Como eu posso saber?
– Alguém aqui pode me explicar o que aconteceu? Há alguém ferido? Estão me ouvindo? Ei! Mas o que é que está havendo?

*** ***

– Todo mundo vai ficar aí parado? Vocês ficam aí com os olhos vidrados em quê?
– Escute, amigo, nós estamos tão sem jeito quanto você, só que talvez você fale demais…
– Mas eu quero apenas conversar… apenas conversar… (mais…)

A viúva de meu pai

terça-feira, maio 15th, 2007

Às senhoras respeitáveis e às moças pudicas, aos homens hipócritas e aos meninos santos, a quem possam ferir as palavras chulas e as vísceras de minhas infâmias, a estes, e por estes, detenho-me a um passo do precipício: haverá outras leituras que causem menor incômodo. Aos outros, nada digo, senão os próprios termos de minha devassidão. (mais…)

Questão glútea

quinta-feira, maio 10th, 2007

Nem mesmo as duas ligações telefônicas atendidas simultaneamente foram suficientes para impedir-me o espanto e logo, a curiosidade.

Dona Henrica havia marcado a consulta jurídica há dois dias, ligara na véspera e naquela manhã também, antes de dirigir-se ao escritório onde advogo.

Havia uma extrema ansiedade em seu rosto quando a secretária, descumprindo uma ordem expressa de minha parte, enfiou-a subitamente sala adentro. (mais…)

A menina e o calango

sábado, abril 14th, 2007

As cascas de uma outra hora ainda arruinavam, via-se bem assim nos joelhos descarnados, quando a menina, muito mirradinha, escorregou pelos dois degraus da porta da frente, arrancando-as de novo e fazendo vazar o sangue que sempre manchava os tijolos gastos. Esfregou as mãos com uma careta enfezada e guardou a dor para chorar mais tarde. Agora, não. (mais…)

Bicho ensinado

quinta-feira, junho 23rd, 2005

O cavalinho avermelhado de crina longa não passou um dia sequer de sua vida miserável sem que deixassem de arrancar-lhe o couro – aqueles da beira estrada, no meio do Morro Alto. Puseram-lhe sobre o lombo toda a sorte de tralhas, de gentes e de mercadorias. (mais…)

Minha prezada companheira

quarta-feira, maio 18th, 2005

Sempre fui de pouca fala. Ela sabe disso. Depois da janta, aprecio sentar no pé da porta, fumar meu cigarro de palha, olhar a noite cair sem pressa, até o sono chegar. Minha vida é dura, como não? Desperto logo cedo, umas cinco, cinco e pouquinho. A primeira tarefa é ordenhar as vacas. Com jeito, amarro os pés, faço um afago no lombo macio, puxo o banquinho e me sento para o serviço. (mais…)