Archive for the ‘Contos’ Category

Dívida paga

sábado, março 19th, 2005

Gravado para sempre em minha retina, há um olhar; um triste e inquieto olhar. Foi num Sete de Setembro. Desempregado há seis meses, com contas e mais contas enfiando-se sob a porta, eu procurava juntar os cacos que ainda restavam de minhas parcas economias, mas por maior que fosse, o contorcionismo nunca se mostrava suficiente para estancar aquela verdadeira sangria desatada. O salário de professora de ensino médio recebido por minha mulher mal servia para o mercado. Devíamos na farmácia, na padaria, no açougue e por aí afora. As roupas da menina de sete anos se perdiam rapidamente, o garoto de quatro anos arrebanhava os brinquedos em pedaços sem ter nada novo à mão. Nossos parentes mais próximos, coitados, viviam (e vivem) como todo mundo hoje em dia: rezando para o mês acabar logo. Como diz um ex-colega meu, a encrenca era grande. (mais…)

Abraços e santinhos

quarta-feira, março 16th, 2005

Aqui, quase todos se dizem inocentes. Mesmo quando admitem o crime, alegam, dentro de sua visão particular dos acontecimentos, circunstâncias que, ao final, são capazes de justificar quaisquer atos praticados. O sujeito tirou a vida da mulher, mas na verdade não queria fazê-lo. Outro roubou o banco e no corre-corre matou um cliente alheio às suas intenções, mas por culpa do revólver, que disparou. Conheço alguns que nada fizeram de grave para merecer o cárcere: estão cumprindo pena por engano. Também ouço insinuações sobre tramas maquiavélicas levadas a cabo em detrimento de inocentes. (mais…)

Atrás da parede

terça-feira, abril 27th, 2004

O olhar de desaprovação da mãe austera fuzilou-o por um instante, repelindo seu ímpeto de lançar-se sobre o sofá para alcançar a vidraça, de onde finalmente divisaria a rua lá fora. Resignado, voltou-se ao manuseio do videogame, abandonando, ao menos por um tempo, a idéia que o perseguia e preenchia todo o seu ser de um extemporâneo prazer. (mais…)