Archive for the ‘Contos’ Category

Atrás da parede

terça-feira, março 20th, 2012

O olhar de desaprovação da mãe austera o fuzila por um instante, repelindo seu ímpeto de se lançar sobre o sofá para alcançar a vidraça, de onde finalmente divisaria a rua lá fora. Resignado, volta-se ao manuseio do videogame, abandonando, ao menos por um tempo, a idéia que o persegue e preenche todo o seu ser com um extemporâneo prazer. (mais…)

Questão glútea

segunda-feira, julho 25th, 2011

Nem mesmo as duas ligações telefônicas atendidas simultaneamente foram suficientes para impedir-me o espanto e logo, a curiosidade. Dona Henrica havia marcado a consulta jurídica há dois dias, ligara na véspera e naquela manhã também, antes de dirigir-se ao escritório onde advogo. Havia uma extrema ansiedade em seu rosto quando a secretária, descumprindo uma ordem expressa de minha parte, enfiou-a subitamente sala adentro. Minha surpresa, entretanto, não residiu em sua expressão, mas na parte do corpo que separa as costas das pernas, ou seja, a região glútea. (mais…)

O caso da árvore sombria

quinta-feira, junho 30th, 2011

Desde que, à caça da criatura, Bartolomeu Vigota puxou o gatilho e fez o sangue correr, fala-se do estranho caso da Fazenda das Vinte Léguas. Contratado para tomar conta do lugar, ele mudara-se para lá havia pouco tempo quando começou a sentir-se incomodado. Não sabia o motivo, mas algo soava-lhe sinistro na sombra escura daquela árvore tão próxima da casa onde morava. (mais…)

Notícias do dia

quinta-feira, abril 14th, 2011

Apoiou o cotovelo no balcão, virou a cabeça para um lado e para outro como quem faz uma breve sessão de relaxamento. Tirou a blusa e amarrou-a ao pescoço. Foi pedir uma cerveja. O garçom, entretido com a televisão instalada no alto da parede, não percebeu o cliente. Ele mesmo, o cliente, foi atraído pelas cenas fortes. Não entendeu bem o que o apresentador dizia, mas também para quê? (mais…)

Um fiapo de sangue escorre na solidão da noite

sexta-feira, março 18th, 2011

Atrás do balcão, o dono do pequeno café sente uma certa tensão ao observar o cliente da mesa cinco. Está sentado ereto, como alguém treinado a manter-se em posição adequada para preservar a coluna, a cabeça levemente voltada à esquerda, para a rua, onde uma chuva leve faz os poucos pedestres se protegerem sob os toldos. Tem meia idade, no máximo cinquenta anos. Um sobretudo cáqui incha-o além da conta. Os óculos às vezes embaçam, mas ele não os tira. O estabelecimento já se encontra vazio a esta altura. Passa um pouco das onze da noite. (mais…)

Um fantasma na rua

quinta-feira, fevereiro 3rd, 2011

Como começou eu não sei direito. Sei só como acabou. Maria, na frente, com a criança no colo, protegendo-se da poeira avermelhadona das ruas todas de terra. Ali o asfalto era coisa de rodovia. Eu, ao lado, caminhava latejando felicidade. Atrás da gente, a uns poucos passos, vinha sempre o Arnaldo, inteiro bêbedo, meio caído. Tínhamos, dali a pouco, o batizado coletivo. (mais…)

O episódio misterioso de Jordão

segunda-feira, novembro 15th, 2010


Lembro-me, ainda criança, das noites de chuva. Em nosso quarto, meu e de meus irmãos, penetrava pela transparência da cortina a claridade flamejante dos raios que habitavam o céu alto, lançando-me frequentemente a fantasias comuns da idade. A cada clarão, meus olhos procuravam no escuro, imagens incomuns, talvez mesmo, em meus desejos pueris, algo irreal, algo que ocupasse meus pensamentos com os mistérios que ao mesmo tempo assustam e fascinam. Nada de especial, entretanto, sobreveio-me a esse suspense voluntário. Não nos tempos de criança. Só mais tarde, quando, para mim, as noites de chuva já eram apenas um mero acaso inoportuno, motivo de queixa diante dos empecilhos causados por sua ocorrência, é que o terror de um enigma avizinhou-se com seu poder absoluto. (mais…)

O poder do olhar

sexta-feira, setembro 10th, 2010

Dizem que em certas ocasiões um olhar vale mais que mil palavras. Como aqui não poderei exprimir, através da imagem retida em minha mente, o olhar ao qual me refiro, tentarei explicá-lo com palavras. Não sei se mil serão suficientes, mas assim mesmo aí vão elas. (mais…)

O pastor

terça-feira, setembro 7th, 2010

Ele era brilhante.

Poucas vezes as pessoas que passam diante da igreja ou mesmo aquelas que entram sentiram-se tão admiradas. Ele estava ali naquela tarde em que a sombra da torre de concreto já tomava metade das escadarias. (mais…)

De sombras e desejos

domingo, agosto 29th, 2010


Eles namoram no cemitério. É lá que se amam. À beira dos túmulos pintados ou mal caiados. Quando a noite cai e o portão de ferro range sob a trava do cadeado, só a lua curiosa e os pequenos arbustos que circundam as ruas vazias os testemunham. Testemunham a mútua contemplação, seu sossego e depois o frenesi. E de novo o sossego. (mais…)