Archive for the ‘Contos’ Category

Véu de noiva

segunda-feira, junho 15th, 2009

Capítulo 1

Que maus sonhos! A mãe abençoava-lhe e desejava-lhe bons sonhos, mas eram só maus, só maus. Deitava-se e logo adiante, súbito, despertava afogueado: os sonhos. Era no dia do casamento da irmã que se passavam.

Na festa, entre cumprimentos e suspiros, o véu caía-lhe, descortinando a face pálida e transformando-se em negra mortalha. Faltavam ainda duas semanas para o enlace, mas os preparativos andavam até as tantas.

Na sala, sobre a mesa escura, flamejavam os detalhes prateados das pequenas lembranças que traziam os nomes dos noivos: Isidro e Marta. A família, de certo modo, ocupava as noites com entusiasmo e já uma ponta de nostalgia. (mais…)

Síndrome rara

terça-feira, maio 12th, 2009

Formidáveis mostram-se as perspectivas da felicidade! Ali está, percorrendo a orla da praia de Botafogo, o servidor público Mério Troncoso Patopas. Jamais foi visto mais exultante. – São misteriosos os caminhos do Senhor – recitou, benzendo-se sob sua rígida religiosidade, um colega muito antigo da repartição onde trabalharam juntos por mais de duas décadas. – Caralho! – admirou-se o colega do futebol das quintas. Ambos, e outros, nunca imaginariam Mério Troncoso Patopas num momento de felicidade exposta. (mais…)

Aquela bala de hortelã – 6

segunda-feira, abril 20th, 2009

Epílogo

Depois daquela tarde pavorosa, estive na casa de Elisa apenas uma vez, para despedir-me dela e também da mãe e do irmão. Com a morte de Damião Fausto, descobriram-se os meandros de sua vida. Como suspeitava-se naquela época em Mirante Norte, vivia em meio a atividades criminosas, cujas características prefiro omitir neste momento. Com a ajuda de familiares, a senhora Wander mudou-se para a capital, onde passou a tratar o filho com especialistas. O garoto, no entanto, morreu poucos anos depois, por complicações pulmonares. (mais…)

Aquela bala de hortelã – 5

domingo, abril 19th, 2009

Numa das últimas vezes em que fui à casa de Elisa, percebi que havia um clima diferente dos outros dias. A senhora Wander tratou-me com educação, claro, mas não foi a mesma de sempre, preocupando-se muito em esconder os olhos vermelhos de ter chorado recentemente. Elisa deu a ficha: os pais tinham discutido outra vez. “Outra vez”? Sim, as discussões que nunca haviam ocorrido, agora tornavam-se freqüentes. O motivo era simples: depois do quase-acidente na estrada, a senhora Wander não suportava mais viver daquela maneira e desejava a todo custo levar o filho para um tratamento psiquiátrico, embora não tivesse certeza de que algo assim pudesse resultar em benefícios para ele. Já Damião Fausto interpunha-se. (mais…)

Aquela bala de hortelã – 4

sábado, abril 18th, 2009

Quando eles voltaram da viagem ao enterro, retomamos nossos encontros, sempre à tarde. Para ser discreto, em vez de ir pela rua, eu saía pelos fundos de minha casa, atravessava um pomar e tomava o caminho de terra à beira do regato que escorria da mata e seguia seu curso por uma vasta planície até desaparecer lá longe. Nos fundos da casa de Elisa, eu escondia minha bicicleta em meio à vegetação e, cuidando de modo a não ser flagrado, voltava à rua para entrar na residência de acordo com a boa educação. Talvez me tivessem visto uma ou outra vez, mas acredito que nunca disseram nada à minha mãe. E se disseram, ela manteve a elegância de não me acusar por algo que, aliás, estava longe de ser um crime. (mais…)

Aquela bala de hortelã – 3

sexta-feira, abril 17th, 2009

Elisa. Esse é o nome da irmã mais velha de Homero. Naquele ano que se iniciava, estudaríamos na mesma classe de primeira série ginasial. Engraçado recordar-me disto, mas eu jamais havia reparado nela. Seria a idade? Naquela época, estávamos mais preocupados com muitas outras coisas antes de pensarmos em garotas. Seria a roupa de ginasiana: saia um pouco acima dos joelhos, com pregas que encorpavam quem a vestisse, além de uma blusa branca que, fofa, emprestava às meninas uma conotação de quase-mulher? Não sei dizer o que seria, mas quando a vi sentada no pátio à espera da aula, chupei seguidamente um pacote inteiro de balas de hortelã. (mais…)

Formoso doutor

quinta-feira, abril 16th, 2009

O sujeito vindo lá de outras bandas era mesmo formoso, dizia-se aos punhados pelas ruas afora e pelas casas adentro. As mocinhas foram logo sonhando com o Geonildo e suas madeixas alouradas, os olhos brilhantes em azul forte, o nariz pequeno, a pele esticada, os braços avolumados, o queixo nem estreito nem largo, a estatura boa, a voz macia, o jeito doce, bem-educado ele. Veio parar no povoado não se soube de onde, de um dia para o outro, sem aviso prévio, atropelando as comadres que tudo viam e sabiam, desafiando os coronéis a quem se pedia bênção para ajuntar-se com os dali, inquietando os moços mais rústicos do lugar. O Geonildo veio e foi ficando. (mais…)

Aquela bala de hortelã – 2

quinta-feira, abril 16th, 2009

Ao recuperar a consciência, na santa casa de uma cidade vizinha, para onde fui levado na mesma hora em que me socorreram durante o grande prêmio, o calor oprimia-me de tal maneira que tive a nítida impressão de estar sendo cozido para o jantar. Minha mãe vigiava-me e não pôde conter as lágrimas quando abri os olhos e sob a mais frágil das vozes disse aquela frase:

- Preciso chupar uma bala de hortelã... (mais…)

Aquela bala de hortelã – 1

quarta-feira, abril 15th, 2009

O verão de 1962 foi de derreter os miolos. Pelo menos era isso que costumávamos ouvir com freqüência nas conversas preguiçosas dos vizinhos e conhecidos quando andávamos pelas ruas logo após o almoço. Não, isso não quer dizer que não havia chuvas. Chovia constantemente. As enxurradas encarregavam-se de trazer muita terra das encostas e despejá-la nas calçadas. Quando o sol ressurgia e as nuvens desapareciam do céu, lá iam os moradores, especialmente os comerciantes, com suas enxadas em punho, raspar os ladrilhos barrentos. Mas esse trabalho pouco adiantava, porque dali a algumas horas ou no máximo em dois ou três dias, o aguaceiro despencava novamente e a lama cobria tudo outra vez. Para nós, estudantes do quarto ou quinto ano, tanto os dias de sol como os dias de chuva representavam ocasiões para aventuras, às vezes bem sucedidas, em outras... (mais…)

Aquela bala de hortelã (completo)

sexta-feira, abril 3rd, 2009

Capítulo 1

O verão de 1962 foi de derreter os miolos. Pelo menos era isso que costumávamos ouvir com freqüência nas conversas preguiçosas dos vizinhos e conhecidos quando andávamos pelas ruas logo após o almoço. Não, isso não quer dizer que não havia chuvas. Chovia constantemente. As enxurradas encarregavam-se de trazer muita terra das encostas e despejá-la nas calçadas. Quando o sol ressurgia e as nuvens desapareciam do céu, lá iam os moradores, especialmente os comerciantes, com suas enxadas em punho, raspar os ladrilhos barrentos. Mas esse trabalho pouco adiantava, porque dali a algumas horas ou no máximo em dois ou três dias, o aguaceiro despencava novamente e a lama cobria tudo outra vez. Para nós, estudantes do quarto ou quinto ano, tanto os dias de sol como os dias de chuva representavam ocasiões para aventuras, às vezes bem sucedidas, em outras... (mais…)