Às vezes, chamam-me recluso ou, vá lá, sumido. Eu gosto de ser recluso ou sumido. Nessas horas de reclusão ou sumiço, meto-me à procura de minha liberdade. Quero certificar-me de que ela não morreu.
Archive for the ‘Impressões’ Category
Reclusão
sábado, dezembro 14th, 2002Homo sapiens
sexta-feira, dezembro 13th, 2002O homem endureceu. Tantas foram as pancadas no couro do lombo, que o pêndulo de suas emoções suspendeu o balanço. Houve, aos poucos, a interrupção, ora hesitante, ora convicta. Ao olhar para o homem na rua, vejo-o duro demais. Não sei se volta a amolecer. Minha impressão é esta mesmo: endureceu.
Vítimas
domingo, dezembro 8th, 2002Na esquina, o garoto enche com sua cara suja a janela do meu carro. Sem dinheiro no bolso, eu hoje não posso dividir o bolo. Minha impressão: o futuro dele já era, está condenado a cair nas garras da violência. Minha audição: Deus te abençoe, moço.
Distante
sábado, dezembro 7th, 2002À distância, o interminável conflito entre judeus e palestinos surge-nos como um circo de horrores. É verdade que nos impressiona, mas não nos altera. A distância, aliás, é uma anestesia eficaz nesses casos. Não vê como são longínquos os universos separados pela espessura de nossa porta?
Rota
sexta-feira, dezembro 6th, 2002Li não me lembro onde que “A Carta Esférica”, de Arturo Pérez-Reverte, é uma nau sem rumo. Só quero dizer que discordo.
Sede
quinta-feira, dezembro 5th, 2002Passo sempre por um gramado onde pombas banham-se no esguicho de irrigação. Molham-se, erguem-se em vôos fugazes, sacodem-se, encorujam-se. Enquanto isso, de suas asinhas, as gotículas pendem em câmara lenta. A água, enquanto necessidade básica, foi desprezada pela sociedade. Enquanto símbolo de purificação, perdeu-se em meio aos nossos dejetos.
Suspense
segunda-feira, dezembro 2nd, 2002Acuados e reprimidos, podemos buscar uma importante lição de grupos que se dedicam a combater a dependência química. Nas sessões, diz-se: mais um dia sem beber. Ou algo parecido, como: mais um dia sem fumar. Permitam-me, hoje à noite, acrescentar: mais um dia sem morrer.